1. Para conhecer o espetáculo e o artista Clayton Nascimento

Um monólogo instigante e provocador com três horas de duração sem intervalo interpretado por um homem negro vestindo bermuda na cor preta e com um batom vermelho nas mãos tem arrastado multidões em várias cidades brasileiras e se tornou verdadeiro sucesso de bilheteria nos últimos tempos. A partir de nove episódios que foram escritos em momentos diversos, a peça teatral trata do racismo e seu título é uma referência explícita do racismo estrutural que atinge a sociedade brasileira desde seus primórdios coloniais.

O espetáculo tem atuação, direção e dramaturgia do talentoso artista Clayton Nascimento de 35 anos. De acordo com a editora Cobogó que publicou o texto da peça, em 2023, ele conquistou o Prêmio Shell de teatro na categoria de melhor ator, sendo o quarto ator negro mais jovem a receber esse reconhecimento no Brasil. Além disso, ele ganhou ainda a concordância da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA), considerada a mais tradicional na área da cultura no Brasil que também o premiou no ano anterior.

Clayton nasceu em São Paulo capital, filho de pais piauienses que migraram para o Sudeste brasileiro e, assim, ele se autointitula “piauílistano”. Seus pais são trabalhadores que sempre estiveram atentos à educação do filho e, antes dos 10 anos de idade, eles matricularam Clayton num curso teatral para crianças e jovens. Desta forma, começava uma carreira promissora repleta de percalços na Casa do Teatro, comandada pela Profa. Ligia Cortez, filha dos atores Raul Cortez e Célia Helena, o que representou uma janela na desafiadora vida de uma criança que vivia no Jabaquara, bairro da Zona Sul paulistana.

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Figura 1 – Cartaz do espetáculo Macacos na cidade do Rio de Janeiro na temporada de março de 2024.

https://mixriofm.com.br/PROMOCAO/6244/ESPET%C3%81CULO-‘MACACOS‘ Acessado em: 23 de março de 2024.

  1. Por que o público se emociona ao assistir o espetáculo de Clayton Nascimento?

A motivação para o título da peça já nos dá algumas pistas que nos tiram da zona de conforto. Em 2014, o time de futebol do Santos jogou uma partida em Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul e, na ocasião um grupo de torcedores xingaram de forma ofensiva e racista Mário Aranha, o então goleiro Santos, com a palavra “Macaco! Macaco!” Diante deste ato abominável e perplexo na frente da transmissão televisiva da partida, Clayton se sentiu provocado para agir e, assim, nascia de forma seminal a peça teatral Macacos.

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Figura 2 – Capa do livro referente ao texto da peça teatral Macacos

Fonte – https://www.cobogo.com.br/produto/macacos-monologo-em-9-episodios-e-1-ato-monkeys-a-monologue-in-9-episodes-and-1-act-704 Acessado em: 23 de março de 2024.

O intenso espetáculo trata do preconceito contra os povos pretos por intermédio do ator que traz de maneira emocionante para a cena teatral as suas memórias dolorosas e a busca incessante pelas respostas para o racismo que rodeia tanto o seu cotidiano quanto a história de sua comunidade. Os episódios iniciais do espetáculo tramam importante teia ao visitarem as trajetórias de Elza Soares (atriz), Machado de Assis (escritor) e Bessie Smith (dama dos blues), o que provoca emoção no público presente que, em alguns instantes, parece prender a respiração diante do impacto sequencial das denúncias artísticas que são feitas no palco.

Como explicar estrondoso sucesso teatral? É difícil apontar apenas um motivo, mas, certamente, o significado do nome do artista possa nos indicar algumas possibilidades. No Brasil, Clayton é um nome predominantemente masculino adotado como primeiro nome desde o início do século XIX e, também, bastante comum, assim como suas variantes. Este nome próprio de origem inglesa, formado da junção dos elementos claeg, clay, que quer dizer terra argilosa e ton, town que significa cidade. Portanto, Clayton significa aquele que vem do lugar argiloso. A argila é um mineral de rochas sedimentares composto de grãos muito finos de silicatos de alumínio, associados a óxidos que lhe conferem diversas tonalidades e propriedades. Há milênios, as argilas são utilizadas pela humanidade na forma de tijolos, telhas, urnas funerárias, vasos dentre outros. No Brasil, a criação de peças de cerâmica pelos/as artesãos/ãs, por intermédio de diversas técnicas e habilidades é capaz de representar o Brasil pelas mãos daqueles que ajudam a moldar o país.

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Figura 3 – Teatro do Riachuelo, na Rua do Passeio (centro carioca) lotado na sessão dominical de 17 de março de 2024.
Fonte – Acervo fotográfico da autora.

  1. Vida negra no Brasil

Assim é Clayton Nascimento, aquele que fez das dores da vida a sua bandeira de luta, que compartilhou com os brasileiros escolhendo a arte teatral como forma de chegar ao público. Clayton é sinônimo de ancestralidade no sentido amplo da coletividade e, neste espetáculo, ele contou com a parceria de Danielle Meirelles (direção técnica/iluminação), Ailton Graça (provocador cênico), Aninha Maria Miranda (Direção de Movimento) e Ulisses Dias – Bará Produções (produção geral). Portanto, na pluralidade que nos tornamos mais fortes!

A história de opressão e sofrimento que marca o Brasil desde os seus primórdios atravessa toda a peça teatral marcada pela ausência de cenários, a iluminação forte e intimidadora dos canhões de luz focados no único ator que se entrega completamente para a realização do espetáculo. O uso do batom no corpo de Clayton, numa alusão ao sangue, exploração e violência é um ponto a ser destacado. Por fim, a ausência de recursos tecnológicos como, por exemplo, projeções de imagens em telões e tudo mais sempre tão frequentes nas montagens teatrais cariocas dos últimos tempos realça ainda mais o gigantismo do trabalho artístico de Clayton Nascimento e sua doação é fantástica.

Vida longa ao espetáculo Macacos por Clayton Nascimento!

Clayton Nascimento

Figura 4 – Clayton Nascimento ao final do espetáculo Macacos no Teatro Riachuelo (RJ) em 17.03.2024.
Fonte – Acervo fotográfico da autora.

REFERÊNCIAS

Carvalho, Igor. Aranha e o preço de denunciar o racismo no futebol: “Paguei com a minha carreira”.

https://www.brasildefato.com.br/2020/08/21/aranha-e-o-preco-de-denunciar-o-racismo-no-futebol-paguei-com-a-minha-carreira  (21 de agosto de 2020).Acessado em: 23 de marco de 2024.

Dicionário de Nomes Próprios. https://www.dicionariodenomesproprios.com.br/clayton/ Acessado em: 23 de março de 2024.

Editora Cobogó. https://www.cobogo.com.br/clayton-nascimento#:~:text=Ele%20conquistou%20destaque%20ao%20vencer,dram%C3%A1tico%20pelo%20jornal%20O%20Globo. Acessado em: 23 de março de 2024.

Rádio MIX-Rio. https://mixriofm.com.br/PROMOCAO/6244/ESPET%C3%81CULO-‘MACACOS‘ Acessado em: 23 de março de 2024.

Site de Clayton Nascimento. https://diretoria0118.wixsite.com/sagarana/Artistas/clayton-nascimento Acessado em: 24 de março de 2024.